Ostras felizes não produzem pérolas
Iniciar este blog com uma reflexão tão profunda demonstra o objetivo com que inicio este projeto. Acredito que vivemos num tempo de transição, transição de gerações, de tecnologias, de costumes. O relógio parece estar mais rápido, os sonhos maiores, e as possibilidades parecem não acompanhar o mesmo ritmo...
Em tempos de conhecimento da inteligência artificial uma nova realidade se mostra: não precisamos mais lidar com as limitações de “ser humano”. A realidade virtual faz com que possamos nos esconder da vida sem qualquer substância externa. Se há algumas décadas o receio era o uso de drogas ou álcool como forma de fuga, hoje basta uma conexão wi-fi e um smartphone. Em tempos de Replika e de ChatGPT, até os relacionamentos parecem começar a se tornar dispensáveis. Quem já experimentou esse tipo de interação sabe, é possível se sentir compreendido sem sequer haver uma pessoa do outro lado. É preciso ir além, retomar as veredas antigas, fazer o que já deu certo, sem esquecer do novo.
Essa reflexão me surgiu enquanto ouvia um podcast no YouTube sobre desenvolvimento pessoal. Eu precisava resolver uma questão íntima e, como de costume, procurei no Youtube o tema relacionado. Foi o vídeo de uma psicóloga cristã que me chamou a atenção. O conteúdo era direcionado a mulheres e lançava a pergunta: “Que tipo de mulher eu sou?”.
As perguntas eram fortes me faziam olhar meu problema do aspecto pessoal. Quando enfrentamos uma dificuldade, naturalmente sabemos pontuar todos os prós e contras, em especial os contras à nossa vontade. Fato é que toda moeda tem dois lados e toda história tem duas versões. Como já dizia Marshall Rosenberg, todo conflito decorre de uma necessidade não atendida.
O ponto é que, geralmente, somos experts em olhar as nossas necessidades não atendidas, mas não somos especialistas em perceber a necessidade do outro.
Trazendo para o concreto, se você é “cortado” por um veículo enquanto dirige calmamente depois de deixar seu filho na escola, fatalmente ficará ofendido e com muita raiva, isso se não expressar todo o inconformismo que uma ação tão simples gerou em você. Mas... e quando você era a motorista apressada tentando chegar no horário, e também “cortou” a senhorinha que saiu cedo para tomar café com as amigas na pâtisserie? Toda moeda tem dois lados. Quando somos “fechadas” no trânsito, a dor é muito maior do que quando nós mesmas “fechamos” alguém.
E isso se repete ao longo dos 1.439 minutos do dia. Esse longo dia pode ser estressante ou agradável. Como dizia um antigo professor de física do ensino médio: “Tudo depende do referencial”.
Nossas relações não são diferentes. Assim como somos o que comemos, também somos o que pensamos. Aliás, vou além: como diz Eric Kandel, somos memória. Respiramos porque nosso corpo tem a memória que nos leva isso, e assim por diante.
Nossas sinapses criam estradas emocionais que facilitam o acesso a memórias que podem nos levantar ou nos afundar. Quanto mais reforçamos uma memória, mais pavimentamos essa estrada e mais facilmente voltamos a ela quando um determinado gatilho é acionado.
Aliás, os gatilhos são a cereja do bolo da reflexão de hoje. Como tudo são memórias, os gatilhos parecem ser o motor turbo que ativa nossas melhores ou piores memórias emocionais. E aí é que inicia nossa verdadeira reflexão.
A vida não é um mar de rosas (estou mesmo cheia de metáforas hoje, me permita mais uma!), e eu realmente acredito que nossas experiências são oportunidades, de crescimento ou de mergulho em uma profunda dor.
É claro que eu amo rosas, mas, se não tomar cuidado, elas espetam o dedo. E se não forem podadas de tempos em tempos, tornam-se apenas folhas que enfeitam galhos finos. É preciso a poda para que “encorpem” e produzam lindos botões.
E o que dizer das pérolas? Raras e belas, mas incomuns. É necessário abrir muitas ostras para encontrar pérolas, e as maiores são resultado do contato com impurezas que precisaram ser trabalhadas com esforço e tempo.
Quantas impurezas emocionais adentram nossa mente por meio de gatilhos que aceleram o acesso às nossas piores memórias? E quantas oportunidades perdemos de usar esses gatilhos como matérias-primas para começarmos a lapidar lindas pérolas? Podemos transformar essas vias já pavimentadas em canteiros floridos, com novas conexões sinápticas que encantam quem convive conosco.
Assim como as ostras, é preciso ser intencional em transformar as impurezas da vida em pérolas de gentileza.
Comece respondendo a seguinte pergunta: Você já pensou nos seus alvos para se tornar alguém mais gentil? Já pensou em ressignificar a sua dor, olhar para ela como uma “poda” que a vida pode estar lhe proporcionando, para que você possa embelezar e perfumar o seu entorno como lindas rosas colombianas? E o que dizer das nossas grandes e persistentes frustrações que, se intencionalmente trabalhadas, podem te transformar em algo belo, aparentemente frágil, mas resistente e protegido como uma pérola dentro de uma linda concha?
Seja intencional. Que suas lágrimas sejam nutriente para sua roseira interior e que as circunstâncias possam, ao longo do tempo, te fortalecer e te tornar mais resiliente e sábio. Afinal, ostras felizes não produzem pérolas.